Está no Rio, convidado pelo Núcleo de Estudos Galegos da Universidade Federal Fluminense, o professor chileno Edmundo Moure, autor do livro Galicia y Chiloé: confines mágicos, onde traça curiosos paralelismos entre terras tão distantes. Chiloé, do veliche (antiga língua dos mapuches) "lugar das gaivotas", é uma ilha do sul de Chile com clima e paisagem idênticos aos galegos, colonizada no século XVI por espanhóis que a chamaram de "Nueva Galicia". A capital chama-se Santiago de Castro e foi fundada em 1567. Ali abundam os Andrade, os Baamonde, os Varela, os Freire, os Quiroga e se mantêm costumes e tradições formadas do sincretismo entre a cultura mapuche originária e a cultura galega dos colonizadores. Não é difícil perceber, por exemplo, a identidade entre os traucos chilotes, pequenos habitantes da floresta, e seus primos galegos, os trasnos. Também alguns costumes parecem ser reflexo ou equivalente fiel de tradicionais formas de agir na Galiza. Naquela terra de minifúndio, com uma economia de beira-mar (agrícola e marinheira), muitas lavouras são feitas comunalmente, com a ajuda dos vizinhos, que, por sua vez, receberão a colaboração solidária dos outros quando precisarem. Mas este saudável costume adquire dimensões extraordinárias entre os chilotes, a atividade que exige colaboração do maior número vizinhos é o que eles chamam "tiradura de casa". Quando alguém em Chiloé decide se deslocar para um outro lugar da ilha, realiza uma mudança integral, com casa incluída. Isto é, as casas de dois andares, construídas totalmente de madeira, vão com eles pelo mar. Navegando. Um documentário ilustrando a palestra do professor chileno mostrava a insólita imagem de uma casa sendo rebocada pelo mar, com todo um andar dentro d'água, após ser tirada do lugar por várias juntas de bóis. O trabalho é enorme, e totalmente artesanal, sem ajuda de aparelhos mecânicos. Os vizinhos que acodem ao chamado do "suplicante" são recebidos com abundante comida e bebida, por isso é que ao final o trabalho acaba se convertendo em festa. Ah, e os chilotes também são grandes comedores de batatas.
Enquanto ouvia a palestra vinha à minha memória o livro de Valentín Paz Andrade, A Galecidade na Obra de Guimarães Rosa, onde são traçados igualmente paralelismos entre a cultura tradicional e agrária galega e a do Nordeste brasileiro retratada pelo romancista. Nesse caso, aliás, podem se reconhecer também as pegadas lingüísticas do antigo galego (ou galego-português, se quiserem) levado pelos colonizadores, diferentemente do que acontece em Chiloé, onde os galegos assentados foram igualmente assimilados à língua do país que inventava a Colônia naquelas terras do outro confim do mundo. Diga-se, entre parénteses bem grandes, que em ambos os casos a ação colonizadora foi tão brutal que das culturas do primeiros moradores hoje ficaram apenas rastros. Da língua veliche, apenas abundante léxico e algumas caraterísticas fonéticas transparecem no castelhano falado pelos atuais chilotes. Também lembrei um documentário que vi na televisão galega sobre uma cidadezinha chamada Betanzos em Colômbia (ou Bolívia?), que tinha, como "a dos cavaleiros", uma famosa feira da batata e onde era costume lançar balões com mensagens ao céu.
Talvez, isto tudo demostre apenas que as culturas tradicionais ligadas ao trabalho na terra e no mar são muito parecidas em todo o mundo, que existe uma ancestral sociedade global do trabalho que se manifesta de formas semelhantes em culturas particulares de diferentes lugares. O qual favorece o sincretismo quando as circunstâncias históricas, que quase sempre envolvem invasões, guerras e migrações em massa forçadas, põem em contato essas sociedades.
É curiosa a obsessão dos galegos por nos reconhecermos em outros povos, por nos equipararmos com outros lugares, por traçar esses paralelismos. Tudo bem, enquanto não seja puro narcisismo e sim o reconhecimento das possibilidades de comunicação com culturas só geograficamente distantes e da necessidade de uma solidariedade internacional entre todos aqueles que vivem do trabalho (entre as "multitudes dos campos" ou "gentes do trabalho", em palavras de Rosalia de Castro).
que sabias palabras don xose, o unico que nos falla e mandar algun galego o espacio porque despois en calquera rincon do mundo temos representacion, fixadevos ate onde chegamos que temos a alguen no sovaco de cristo!!!
Un povo viaxeiro, ou, máis ben, un povo emigrante?
Creo que xa temos falado algunha vez dos paralelismos das sociedades vencelhadas ao trabalho no mar e na terra; eu, en xeral, creo que o maior factor que unifica aos povos de aquí e de acolá é a miseria. As sociedades que se adican principalmente a sobrevivir acaban sendo moi semelhantes. A pobreza iguala rostros e xeitos de vida. A iso, algúns chámanlhe tamén "globalización"...
Amigo Martin Pawley, penso que não é apenas miséria. O que há de comum é talvez o trabalho sobre (ou em) realidades tão concretas e imutáveis como o mar e a terra. Há diferença entre escassez de bens ou de recursos e miséria. Doutro lado, a primeira globalização deveu ser sim a dos trabalhadores, os primeiros a atuarem internacionalmente quando o capital ainda era exclusivamente nacional e usava da colonização, que supunha imposição política também, para a expansão dos mercados.
Mas que globalización, yo diría que fue la verdadera internacionalización (en el sentido de transnacional), más allá de cualquier límite o frontera artificial, la reivindicación del universalismo construido como voluntad política, claro.
Algo pospuesto, creo.
Perdón, por la intromisión.
Marilís: como blogalita tómome a liberdade de dicir que pasar por calquera blog, e mesmo deixar pegada nel, non é ningunha intromisisón, antes polo contrario. Para iso está a ferramenta de comentarios dos blogs, para servir de contacto entre os leitores e o autor.
Suponho que Omar sabe perfeitamente que na pestana "Comentarios" que lhe aparece ao entrar no seu blog rexístranse por orde os últimos comentarios efectuados nos seus posts, así que nunca se perderá ningún. Os leitores non tenhen acceso a iso, claro, pero si poden ter noticia dos últimos cen comentarios aparecidos nos blogs de Blogalia picando aquí.
Ainda bem que está o Martin Pawley para fazer de anfitrião na minha ausência... Nada de intromissão, Marilís, que bom que apareces por aqui. Gosto de usar o termo globalização noutros sentidos, falando por exemplo do internacionalismo proletário, que pretendia construir relações universais por cima, ou à margem, dos limites impostos pelos Estados. Segundo o Michael Hardt e o Toni Negri, o poder imita os movimentos de resistência para neutralizá-los