caderno galego-brasileiro
Inicio > Historias > De ônibus e camelôs
> De ônibus e camelôs <

O pior de se sujeitar à inércia do conhecido é que aí se fica realmente à mercê do desconhecido. A primeira vez que subi num ônibus no Rio entrei pela porta dianteira, como se estivesse na Corunha, em vez de o fazer pela porta traseira. O motorista olhou para mim, sem se importar muito, sem se importar nada, na realidade. Meteu primeira, fechou a porta e saiu correndo. Enquanto eu, totalmente perdido, desnorteado, comprovava com vergonha que o cobrador estava na parte de atrás, mão sobre mão, meio dormido. Agarrei-me como pude, assumindo com a maior dignidade possível as olhadas dos passageiros, que se perguntavam alguma coisa que eu daquela nem imaginava. Ninguém me reclamou o dinheiro, a viagem saiu de graça. Também não adiantou nada, estava no ônibus errado.
Agora sei que pela porta dianteira entram escolares de rede pública devidamente uniformados, idosos e camelôs vendendo todo tipo de coisas. Talvez a expectação causada pela minha presença tinha a ver com o difícil que resultava incluir-me em algum desses coletivos. Agora sei, e sempre é demasiado tarde, que devi dissimular gritando "biscoitos grooobo!", "olha aa salaaada", "amendoiiinnss", "chocolaate", ou alguma coisa do estilo. De qualquer maneira, nunca conseguiria alcançar, nem longinquamente, a magnífica elegância, a mais do que pulcra retórica, a elaboração mercadológica de um camelô que entrou no meu ônibus dias atrás. Depois de se apresentar educadamente e pedir perdão por atrapalhar o nosso sossego (ir de ônibus no Rio não é nunca uma experiência tranqüila (dirigir ao lado dos ônibus no Rio também não tranqüiliza (cruzar uma rua por onde os ônibus passem a velocidades insuspeitadas para monstros dessas dimensões deixa qualquer um apreensivo))), enfim, depois de um breve e cortês introito foi ao cerne da questão. Da caixinha de papelão que levava no colo tirou uma caneta plástica, leve, de traço fino e agradável, que se pode encontrar em qualquer loja por 80 centavos, mas que ali, naquela ocasião imperdível se oferecia por apenas 50 centavos. Mas a coisa não terminava aí, como promoção do dia ofereciam-se três canetas, três, por um preço inacreditável, e, como se fosse mágica, da caixinha saiu também uma lapiseira com ponta e prendedor metálico, que fazia um ruído oco ao ser puxado por dois dedos que demostravam empiricamente a sua dureza e flexibilidade, e, mais ainda, uma caixinha plástica com grafites para a lapiseira, de 0,5 milímetros de grossura, e tudo, tudo, três canetas de traço fino e agradável, uma lapiseira com ponta e prendedor metálico, e uma caixinha plástica com grafites para a lapiseira, de 0,5 milímetros de grossura, por apenas R. Não dava para acreditar. Pensei imediatamente que estava diante da oportunidade da minha vida. Eu, que não uso lapiseira e tenho canetas sobrando.
Nos ônibus vêem-se muitas coisas, mas camelôs podem se encontrar por toda a parte. No centro da cidade vinha de presenciar a perseguição a que são submetidos pela Guarda Municipal, que mais parecem reproduções autóctones de robocop, com escudos plásticos e capacetes, vestindo uma espécie de moderna armadura de borracha. Formavam uma muralha humana, ameaçadora, em um dos lados da Avenida Rio Branco. Do outro lado, alguns camelôs com carrinhos e bugigangas, expectantes. Cruzando a rua, quando eu me dirigia a pegar o ônibus, um policial com a pistola na mão, o dedo no gatilho, apontando ao alto.
Ao dia seguinte li no jornal que houve, de fato, tiros ao alto da polícia. Um morador queixava-se numa carta ao editor do perigo das balas perdidas. Perigoso demais para quem só tem imaginação, e mais nada.

2003-06-05, 05:38 | 6 comentarios

Referencias (TrackBacks)

URL de trackback de esta historia http://omar.blogalia.com//trackbacks/8659

Comentarios

1
De: Martin Pawley Fecha: 2003-06-05 08:02

Que é iso de "por apenas R"?

Se nas eleicións autonómicas do 2005 non sae o que ten que saír, xa me vexo vendendo canetas polos ônibus de Rio...



2
De: xose Fecha: 2003-06-06 03:08

venderemos canetas de todas as cores e chalecos antibalas



3
De: Omar Fecha: 2003-06-06 06:46

Faltou o 1, é por apenas 1 real, três vezes menos que um euro.
O nosso negócio, meus caros, está na praia...



4
De: Martin Pawley Fecha: 2003-06-06 10:52

Vender canetas, na praia? Cre você que iso será negocio? ;-)



5
De: Ankita Tiwari Fecha: 2019-08-28 11:35

Kolkata Vip Escorts
Kolkata High profile Escorts
Kolkata College Escorts
Kolkata independent model Escorts
Kolkata gallery Escorts



6
De: Mumbai Escorts Fecha: 2019-10-08 13:39

Your post was the 1st que article and this kind and type of articles are valuable as diamond. Keep up the good work.

http://www.anikakaur.com/


Mumbai Escorts


Mumbai Escort


Mumbai Call Girls


Anika Kaur


Mumbai Independent Escorts


Mumbai Female Escorts


Mumbai Elite Escorts


Female Mumbai Escorts


Mumbai VIP Escorts


Escorts Mumbai


Mumbai Escort Services


Escort Services in Mumbai




Coisas velhas
<Enero 2025
Lu Ma Mi Ju Vi Sa Do
    1 2 3 4 5
6 7 8 9 10 11 12
13 14 15 16 17 18 19
20 21 22 23 24 25 26
27 28 29 30 31    
             

Prestige: exigimos responsabilidades

Dias estranhos

Una cuestión personal

Carta Aberta

Montanha Mágica

miniscente

Galiza Canibal

Blogaliza

O Cu do Mundo

Vieiros

Biblioteca Virtual GAlega

Documentos

Categorías

Blogalia

Blogalia

© Omar